01 junho 2007

#5



Trabalhas no quiosque amarelo.
Começo o meu dia contigo; ultimamente dou comigo a começá-lo por ti.
Acendo-te.

Inalas o fumo do cigarro que acendes todas as manhãs.
Sorves o teu café e pousas a chávena na tua mesa de madeira gasta pelo sol; e recostas-te a ver o dia e a rua a despertarem.
Exalas o fumo o mais lentamente possível, como se o tentasses parar no tempo – como se tentasses parar o próprio tempo. Todas as manhãs.

Vejo-te da minha varanda. Olhas-me, mas não me vês: não vês quem sou, quem poderia ser para ti, o que poderia fazer por nós.
Inalo-te.

Olhas-me de quando a quando da tua varanda, mas não me vês; algo te turva o olhar e te retira deste mundo.
Nunca nos conhecemos ou sequer falámos; nunca vieste cá sequer para comprar um maço de cigarros. Talvez me dissesses bom dia, ouviria a tua voz então; descobriria o teu nome, José, António, Eduardo, tanto faz, isso não é realmente importante, já te conheço: sei quem realmente és. Para ti não existo, mas já me pertences há muito tempo.

Se agora descesse as escadas, voasse pela rua de calçada, e estacasse perante ti: ver-me-ias então? Verias quem sou? Dir-me-ias o que tanto gostava de ouvir?
Existes, sem saberes que és minha.
Intoxicas-me.

Acabas o teu cigarro, decides-te a entrar em casa.

Tenho que ir – a vida não se constrói só de sonhos – mas não parto sem te ver uma última vez hoje. Ver-te através da janela é ver uma ideia de ti.
Apago-te.

Vês uma última vez para a rua a ganhar vida; olhas-me e premunes-me de ti para o resto do dia. Cá estarei amanhã, e depois de amanhã: até ao dia em que me vejas da tua varanda e desças as escadas do teu prédio e voes pela rua de calçada que nos separa e estaques perante mim, à espera que te diga o que tanto te quero dizer.

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