- Olá. Vim o mais rápido que pude, parecias tão alarmada ao telefone…?
Senta-se. Para o empregado de mesa que se aproxima e espera uma ordem e um aceno de cabeça:
- Um café. E traga um cinzeiro, se fizer favor. - Volta-se, pronto e atento. - E então? Conta-me, estás bem?
- Sim, estou.
- Então o que é?
- Tínhamos de falar. Há algo que precisas de saber, tenho que to contar.
- Passou-se alguma coisa no trabalho?
- Não, nada disso.
- Então?
Interrompidos pelo cinzeiro, que é pousado na mesa. Acende o cigarro, subtilmente deliciado. Mais uma baforada, e continua:
- Que se passa, afinal?
- Vou ter um filho.
- O quê?!? – Uma tosse espontânea: engasgou-se no fumo. – Falas a sério?!?
- Vou ter um filho. Uma filha, para dizer a verdade. – As palavras acabadas num sorriso envergonhado e feliz.
- Uma filha? Mas quando é que..? Como…? E não me dizias nada? Mas isso é óptimo! E eu aqui a fumar ao pé de ti! – Agita a mão por entre as nuvens de fumo, tentando afastá-las o mais rápido possível; apaga decidida e energeticamente o cigarro. – Estou estupefacto, vais ser mãe! Como te sentes?
- Candidamente. – O sorriso decide-se.
- Óptimo, óptimo. Sabes que sempre soube que ias ter um filho antes de mim. Raios, nem sequer sei se alguma vez os terei! - E dá uma gargalhada.
O café chega. Agradece, aquecido pela nova surpreendente. Despeja o conteúdo da saqueta do açúcar no café e mexe-o pausadamente: um ritual. Continua:
- Vais dar uma excelente mãe! Fico feliz por ti! Mas diz-me lá: quem é o pai? Conheço-o?
- Sei que vai parecer estranho e confuso dizer-to, mas…o pai… és tu.
- O quê?!? – O café que quase se verte com o reflexo involuntário das suas mãos, como que procurassem algo a agarrar. – Estás doida?!? Quase que partia a chávena por tua causa!
- És o pai, já te disse. – O tom sério não lhe agradou.
- Estás a querer gozar com a minha cara? Vê lá, não brinques com estas coisas. Quem é o pai? Diz-me, eu mantenho o segredo, sou eu, o teu melhor amigo, com quem estás a falar!
- És o pai, sabes bem disso. Sempre o deverias ter sabido. – O tom sério mantém-se.
Esta conversa começava a desagradar-lhe profundamente. Nem parecia dela. Que piada tão patética! E, no entanto, olhava para ela e não via um riso escondido nos olhos, apenas… um pedido.
- Mas…Falas-me a sério?
- Sim. Preciso de ti. Por favor, não me vires costas. Não agora.
As palavras a atropelarem-se, a quererem sair mais depressa do que o possível, num só fôlego:
– Mas explica-me lá como posso ser eu o pai se nunca te toquei sequer! – Tenta recostar-se na cadeira, dar um ar de desinteresse e certeza, mas esta parece-lhe desconfortável em qualquer ângulo possível. – Vá, sou todo ouvidos!
- Há quantos anos nos conhecemos?
- Muitos.
- Bastantes. Sempre pudemos contar um com o outro.
- Não para ser pai de ninguém!
Sem parecer sequer que ouviu tal interjeição, continua:
- Vivo sozinha há tempo demais. Não tenho ninguém, não conto com a família. Não quero ser mais um trintona acabada e sozinha! Mas QUERO passar por isto, quero ter esta criança, quero dar este passo na minha vida, PRECISO de dar este passo na minha vida: algo de tão belo e único. Só tu me podes amparar. Preciso que me ajudes. És o pai, não o percebes?
- Mas…Isto…isto é tudo muito súbito, apanhas-me de surpresa…Eu não tenho responsabilidade nenhuma nisto…Nem sequer posses para tal, quanto mais… Não! Não, não, esta história não pega! Ah, ah, muito engraçada! Já te divertiste hoje às minhas custas. Quase que acreditei, parabéns. Agora pára com isso, que me dá a volta ao estômago.
- Por favor, pára… - Um choro miudinho que teima em surgir.
- Não pode ser verdade, o que me pedes… Isto só a mim, só a mim… Mas e o VERDADEIRO pai?
- Não interessa, nem quero saber. Só tu podes ser o pai desta criança, és tu que importas. És maravilhoso, sempre foste. E sempre fomos tão próximos um do outro, sempre contámos um com o outro nas nossas piores alturas, quando muita gente se descartou de situações. Se há alguém que tem que ser o pai da minha criança, só podes ser tu.
- Mas isso não é assim tão fácil: chegares aqui e pedires-me para ser pai de um minuto para o outro! Já pensaste sequer no que as pessoas dirão?
- Sempre disseram que acabaríamos juntos.
“1-0.”
- Já pensaste nos gastos?
- A tua vida é bastante folgada, e também a minha, adaptar-nos-emos bem.
“2-0.”
- Já pensaste nos encargos, no tempo, na atenção? Na responsabilidade? Eu nem as minhas camisas passo a ferro! – e levou as mãos à cabeça: o choque que era aperceber-se de si próprio!
- Nada que os dois juntos não consigamos lidar. Não estamos a ficar mais novos, e eu sei que não vais querer levar a vida que levas para sempre: chegares a uma casa semivazia; nem sequer uma planta lá tens para lhe dar vida, por Deus! Não teres aquilo a que possas chamar de lar. Ires a casa no Natal e teres que suportar as opiniões e as piadinhas da família, que, para além de desgastantes, acabam por ser certas. Vais acabar sem nada, e eu sei que não é isso que queres.
“3-0.”
Era impossível contra-argumentar, ela tinha toda a razão. À medida que o tempo passava, sentia-se cada vez mais vazio, e, se não fosse a sua melhor-amiga-que-agora-me-pede-o-mundo, há muito que não teria vida própria. Os dias cada vez lhe custavam mais a passar, faltavam-lhe algo.
- Tu sabes que isto é possível. Tu sempre disseste que querias ser pai um dia. Pois hoje é o dia. Tu sabes que isto é possível.
Silêncio.
- Achas mesmo possível?
- Sei-o. Sinto-o. – Sorri. - Sinto-o mesmo aqui, na minha barriga.
- Incrível…A minha vida…
- A NOSSA vida.
Troca de olhares: comprometida, sincera. Acalma, e decide-se.
- Parece que vou ser pai… – Um sorriso. – Vou ser pai…
Inspirado num sonho macabro que tive há tempos.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Não sei pk lhe chamas "sonho macabro", não sei pk agora não vês as coisas da mesma maneira... quer dizer, até sei, vagamente... Mas por mto esforço que faça não consigo perceber a 100%.
A vida pode voltar a sorrir-te, basta que lhe dês a respectiva oportunidade...
Enviar um comentário