30 novembro 2007

Divagações Cósmicas

AVANTASIA - Lost In Space


TAROT - Ashes

#8



Sinto a água quente do chuveiro a picar-me a pele, de tão quente que está adormece.
Recordo-me como se tivesse sido agora mesmo.

-Mãos ao alto! Quero o dinheiro dessa caixa! Já!
A pistola a escassos centímetros da minha testa. Um aperto no estômago. Olho para a minha colega a meu lado. Está tão estupefacta e assustada quanto eu. Isto não me está a acontecer.
-Não ouviram o que disse? JÁ!!!
-Tenha calma, tenha calma…
-Julgas que ‘tou a brincar? E se eu te enfiar um balázio nesses cornos, vais achar piada? Deixem-se de merdas e despachem-se!

Estúpido, estúpido! Dizer uma parvoíce dessas, a um drogadito esfarrapado! É capaz de qualquer coisa por dinheiro, até matar, por amor de Deus! Não tenho a quem pedir socorro, só nos filmes há um botãozinho subtil debaixo da bancada, aqui nem uma câmera de vídeo há!
-Mas… mas oiça, nós não podemos abrir a caixa sem… sem ser feito um pagamento. Não dá para abrir de assim de qualquer maneira.
-Eu mandei-te falar, minha puta? Mandei?

Um tiro.

Não consigo ouvir nada, só um zumbido lancinante. A dor. Este cheiro. Pólvora. Abro os olhos. A minha colega. Caída. Morta. O chão a ensopar-se com o sangue que lhe sai pelas costas.
Por mais quente que a água esteja, não a sinto quando me relembro deste momento, como que se me afundasse no temor que senti na altura.

Não acredito. Não pode ser. Isto não está a acontecer. Sinto os joelhos a tremer. Pensamentos disparam-se-me na cabeça. A minha família. Sinto-me tonto. Criança. Vou morrer também. Lírios. Vou vomitar. Não consigo falar. Água. Praia. Não consigo raciocinar. Tanto por fazer. Não, não, não. Não. Quero gritar. Não agora. Não aqui.
Limpo friamente os salpicos de sangue que me escorrem pela cara com a palma da mão. Olho para este pulha que tenho diante de mim.
O fim começa agora.

- Mais alguma coisa a dizer? Passa-me a merda do dinheiro, ou tu!, - aponta-me a arma – acredita, tu és o próximo.
-Oiça: - Este não sou eu: estou calmo, frio, confiante, como se possuísse na minha mão a chave que abre qualquer situação. Olho-o de frente, sem me aperceber do meu sorriso carregado de desdém – Que está a fazer? Pense. De onde raio veio você? Que raio está a pensar?
- Meu cabrão, eu n…
- Cale-se.
-Vais…
-Cale-se! E aponte isso para baixo.
Aponto para a arma. Vou levar um tiro, o olhar dele esmaga-me.
- Não te aviso outra vez. Preciso desse dinheiro, é mais importante que a tua vida, ou a minha. Ou mo dás ou dou um tiro à registadora, e depois de tirar o dinheiro, dou-te um tiro a ti. Acredita.
- Se dá um tiro a isto o mais provável é empaná-la e então é que não abre mesmo. Mesmo que consiga abrir isto agora, – aponto para a registadora – mesmo que meta o dinheiro todo no bolso, e mesmo que me dê um tiro, não tem por onde fugir. Já alguém ouviu o tiro, já alguém avisou a polícia, já alguém ouvirá os tiros que ainda lhe faltam, e já alguém voltará a avisar a polícia. Para onde julga que pode escapar? Matou uma pessoa, por amor de Deus! - Encolho os ombros, e aponto para a minha colega. A minha colega. Morta. Vê-la tira-me deste acto. Concentra- te. .- Sabe o que lhe vai acontecer? – Meto as mãos à cabeça, e disparo-as, de seguida, com os dedos bem esticados, em direcção ao verdugo. - Vai andar a fugir sem parar, e quando quiser parar alguém o mata a si: um polícia que não aguenta mais pela reforma, farto de correr atrás de escória, vai achar que desta vez chega e decide por si mesmo. BAM! – Gritei – Uma bala nas costas. Quem sabe?, quatro ou cinco, para ter a certeza que não se mexe mais. Ao polícia não lhe acontece nada, ainda ganha uma medalha por tirar das ruas uma ameaça, neste caso, você.
- Mas quem pensas tu que és, meu c…?
Ele sua por todos os lados. A arma a subir!

Tremo.

- Ok, pense. Pense! – Tenho-lhe as mãos esticadas, como se por artes mágicas conseguisse evitar o que quisesse – Tem a decisão da sua vida.
Aponto para o chão.
- Aqui mesmo, agora mesmo.
Olho para ele, como se esperasse uma resposta.
- Ou piora as coisas e dá cabo de si, ou põe-se a correr. Antes que o abatam que nem um animal. Como vai ser?
-O dinheiro. Já.
-O tempo passa, eles vão apanhá-lo! Pense no que realmente quer.
Aponta-me a arma outra vez! É agora.
- Como vai ser?

-Dinheiro. Já.
- Corra. Agora mesmo.
-Dou-te a escolher: um tiro nos cornos para proteger dinheiro que nem é teu, e juntas-te à tua amiga; ou o dinheiro na minha mão e ainda vês o sol amanhã. Por isso, sou eu que pergunto: como vai ser?

É impossível contra-argumentar. Na verdade, que raio estava eu a fazer? A aplicar a psicologia que nunca aprendi na universidade que nunca frequentei, arriscando-me a levar um tiro, quando realmente estou a proteger o dinheiro de um patrão que me paga mal e me dá ainda menos mérito, que pouco mais me dá para comer e não dormir à chuva? Passo os dias a repor pacotes de batatas fritas e amendoins que em cinco minutos já estão todos revirados, a vender biscoitos a velhinhas que me entediam ainda mais que aos mil e um gatos que albergam, a vender revistas cor-de-rosa e de tricot a domésticas ocas, e a vender tabaco a idiotas que nem um “bom dia” sabem dizer? Por este negócio miserável que nem me pertence meto-me no fio da navalha e faço frente a um patético drogado cujo dinheiro “mais importante que a tua vida, ou a minha” de certo vai directo para mais um “chuto” num beco decrépito?

Que pensava eu? Onde tinha eu a cabeça? Corto o ar dos pulmões cada vez que penso o perto que estive do cano metálico. Não há banho que me tire o desespero que senti.
Fode-te, patrão. E fode-te, drogado.

-Ok, ganhou. – Carrego num botão da registadora. – É todo seu. Suma-se. Simplesmente… não me faça mal.
- Vem para este lado, não vás tu tentar algo.
- Como vou tentar algo com uma arma apontada a mim? – A ideia de ter de passar por cima do corpo da minha colega revirou-me o estômago, esforcei-me para não vomitar.
- Para este lado, já disse.
Assim o fiz, lutando comigo mesmo para não pensar que tenho um cadáver embebido em sangue a milímetros de mim. Depois de chegar a seu lado foi ele para a parte de trás da bancada, com o revólver sempre apontado a mim. Enche os bolsos com as moedas, enrola as notas e junta-as ao bolso das moedas.
Volta para o meu lado.
- Fizeste bem, hoje não é dias para heroísmos. Agora vais deitar-te no chão, e eu vou sair por aquela porta. Ninguém ouviu o tiro e ninguém chamou a polícia, por isso faz-me um favor e não te levantes nem tentes nada estúpido. Não me faças voltar atrás. – e di-lo enquanto balanceia a cabeça, em tom de conselho.

A ironia. O nojo que me provoca. O quanto desejo que a minha própria pele me saia do corpo para não sentir mais a sujidade de ter tido a vida nas mãos de alguém tão ignóbil.

Mete o revólver no bolso, mas noto que se mantém apontado à minha pessoa. Preparo-me para me abaixar.
-Quietos! Mãos ao ar! Tudo no chão, JÁ!

Olhamos incrédulos para a porta. Outro drogado. Outra arma. Isto não pode ser real.
-Quero os dois no chão, mas tu – aponta-me a arma – abre primeiro a registadora – e segue para junto de nós.
- Ouve, meu, ´tás a cometer um erro. – Diz o primeiro verdugo.
-Calado! Julgas que não disparo? Disparo, cabrão, e não me importo se te espalho os miolos no chão.
Outra vez. É hoje. Está predestinado. Vou morrer. Sem hipótese de fazer algo contra. Nas mãos de porcos. Não. Não o admito. Já não me interessa se morro.
- É melhor ouvir o que ele lhe está a dizer, ele não é para brincadeiras, acredite.
- Mas eu perguntei-te alguma coisa? Diz adeus, jovem.
Aponta-me o cano à cara. É agora.

Um tiro. Não sinto nada. Só os joelhos a desfalecerem. Não ouço ruído algum, fechei os olhos e não vejo nenhum túnel de luz. Apenas sinto…nada. Será isto a morte?
Abro os olhos. Não sinto nada. Não sinto nada! Estou vivo! Reparo na roupa ensanguentada, sinto sangue no rosto. Olho em frente e vejo o primeiro assaltante a apontar-me a arma fumarenta. Mas não foi em mim que disparou, foi ao segundo ladrão, que estava na minha direcção e agora jaz a meus pés. Isolo-me numa poça de sangue. Já nem diferença me faz, penso que entro em choque.
- Foi o teu dia de sorte, miúdo. – Abaixa a arma, vira-me as costas e segue para a porta de saída.

Sai de um modo tão simples e impávido. Matou duas pessoas. Uma delas até agradeci, admito, mas matou alguém que eu conhecia, que vi e senti com vida, alguém com quem convivia, e que agora nada pode fazer. Brinca com a nossa vida como se fosse deus. Não o permito. Odeio-te miserável, não te vou deixar ir assim tão simplesmente! Dou um murro na parede de azulejos do banho.

Desço até à poça de sangue que cerca a mão do segundo miserável, decidido, e pego a sua arma.
-Quieto! Livra-te de sair!
O malvado pára. Vira-se e admira-se.
-Mas que pensas tu que ‘tás a fazer?
-Calado! CALADO! Pensas que te vou deixar ir? Mataste a minha amiga, e quase me matavas a mim! Não mereces respirar, verme!
-Não vais querer fazer isso, tu próprio o disseste!
-Merda para o que disse! Vais morrer! A arma para o chão!
-Ouve…
- A arma para o chão. – E grito: Já! – Enquanto me esvaio em lágrimas.
-Ok, estou a pôr. – E lança a arma para o piso.
-Cômo pudeste? Tentar matar-me?
-Podia ter-te matado, mas caso não te lembres, salvei-te a vida. Se não fosse eu, agora ‘tavas morto.
-Calado!
-Se não fosse eu já não respiravas. Deves-me a tua vida quer queiras, quer não.
-Não!
-Oh, sim! Mas tenho uma proposta para ti, e tudo fica resolvido.
-Que proposta, cabrão? Pensas que me interessa o que me possas dizer?
-Matares-me não serve de nada. Mesmo que dispares e me mandes pa’ cova, mataste alguém.
-Tu não és ninguém, és um miserável! Não és nada, nada! – E as lágrimas, torrenciais, enquanto lhe aponto o revólver trémulo.
-Mas para os tribunais sou. E sei o que digo, já ‘tive preso. Matas alguém, mesmo alguém como eu, aqui onde estamos, e vais presente a tribunal, E vais preso alguns anos à custa disso.
-Mentes!
-Oh, não, não. Vais alguns anos pa’ pildra. Perdes os melhore anos da tua vida. Ainda és novo, arranjas namorado com facilidade na gaiola, eles lá adoram moços tenrinhos como tu.
-Calado! Já avisei!
-Ouve, sê sensato. Não te vai servir de nada, e a mim também não me convém levar um balázio. Fica com o dinheiro, eu fico só com as moedas, já me chegam.
-Achas que me vendo, cabrão? Achas que vales mais do que a vida da minha colega, ou da minha? Achas que a minha vida tem um preço?
-O heroísmo não te serve de nada, não faz o tempo voltar atrás. Fica com as notas, já são algumas, dão-te p’alguns meses. Cuida de ti, bem precisas. Eu vou-me embora, chamas a polícia, culpas-me, as duas balas são da minha arma, e eu lá me trato. Ninguém pensará de teres tu o dinheiro. A decisão é tua, a consciência é tua. Cada um quer o melhor pa’ si próprio, e faz o que tem que fazer. Faz o que tens que fazer. E o que é melhor para ti, agora?
E ainda recordo os seus lábios gretados enquanto lançava as viscerais palavras:
-Como vai ser?

Como vai ser. Como vai ser. Como. Vai. Ser.
Todos os dias me forço a tomar banho a esta hora, e todos os dias desejo que por estes minutos tudo o que me aterroriza se vá com a água. A sujidade mantém-se no corpo, na alma.
Se pudesse voltar atrás na minha decisão, não estaria no abismo em que me encontro.

02 novembro 2007

01 novembro 2007

#7


Acordes doces, gentis. Teclas carregadas suavemente, quando é a tua pele que toco.
Tudo o que não faço porque me prendo a ti; e tudo o que faço nunca é feito sem a tua imagem.
Toco, repito, continuo: não te deixo fugir, não paro. Acorde atrás de acorde: sempre tu.

Não sei porque toco, não te tenho: podê-lo-ia; mas tenho medo, não consigo sair deste compasso. Perder tudo o que tenho agora só por ti, era a maior mostra do aprisionado que sou por ti. Mas receio que não bastes para encher o medo do vazio.
Não sou digno de ti como te ideio. Não arrisco por ti, ainda menos por nós!, mantenho-me impávido.
Carrego as teclas, não as sinto.

Sinto-me dividido. Durmo uma vida e desperto noutra, sem saber em qual me aninho realmente. Invento sorrisos e piadas: invento-me todos os dias. Dia após dia. Sou descartável: não existo: sobrevivo.

Uma cópia de vida, impressa em dias, a cinzento. Porque não me decido a ser quem sou.

Repito. Teclo. Acordes doces, gentis. Prendem-me: não vou a lado algum.

18 julho 2007

#6

- Olá. Vim o mais rápido que pude, parecias tão alarmada ao telefone…?
Senta-se. Para o empregado de mesa que se aproxima e espera uma ordem e um aceno de cabeça:
- Um café. E traga um cinzeiro, se fizer favor. - Volta-se, pronto e atento. - E então? Conta-me, estás bem?
- Sim, estou.
- Então o que é?
- Tínhamos de falar. Há algo que precisas de saber, tenho que to contar.
- Passou-se alguma coisa no trabalho?
- Não, nada disso.
- Então?
Interrompidos pelo cinzeiro, que é pousado na mesa. Acende o cigarro, subtilmente deliciado. Mais uma baforada, e continua:
- Que se passa, afinal?
- Vou ter um filho.
- O quê?!? – Uma tosse espontânea: engasgou-se no fumo. – Falas a sério?!?
- Vou ter um filho. Uma filha, para dizer a verdade. – As palavras acabadas num sorriso envergonhado e feliz.
- Uma filha? Mas quando é que..? Como…? E não me dizias nada? Mas isso é óptimo! E eu aqui a fumar ao pé de ti! – Agita a mão por entre as nuvens de fumo, tentando afastá-las o mais rápido possível; apaga decidida e energeticamente o cigarro. – Estou estupefacto, vais ser mãe! Como te sentes?
- Candidamente. – O sorriso decide-se.
- Óptimo, óptimo. Sabes que sempre soube que ias ter um filho antes de mim. Raios, nem sequer sei se alguma vez os terei! - E dá uma gargalhada.
O café chega. Agradece, aquecido pela nova surpreendente. Despeja o conteúdo da saqueta do açúcar no café e mexe-o pausadamente: um ritual. Continua:
- Vais dar uma excelente mãe! Fico feliz por ti! Mas diz-me lá: quem é o pai? Conheço-o?
- Sei que vai parecer estranho e confuso dizer-to, mas…o pai… és tu.
- O quê?!? – O café que quase se verte com o reflexo involuntário das suas mãos, como que procurassem algo a agarrar. – Estás doida?!? Quase que partia a chávena por tua causa!
- És o pai, já te disse. – O tom sério não lhe agradou.
- Estás a querer gozar com a minha cara? Vê lá, não brinques com estas coisas. Quem é o pai? Diz-me, eu mantenho o segredo, sou eu, o teu melhor amigo, com quem estás a falar!
- És o pai, sabes bem disso. Sempre o deverias ter sabido. – O tom sério mantém-se.
Esta conversa começava a desagradar-lhe profundamente. Nem parecia dela. Que piada tão patética! E, no entanto, olhava para ela e não via um riso escondido nos olhos, apenas… um pedido.
- Mas…Falas-me a sério?
- Sim. Preciso de ti. Por favor, não me vires costas. Não agora.
As palavras a atropelarem-se, a quererem sair mais depressa do que o possível, num só fôlego:
– Mas explica-me lá como posso ser eu o pai se nunca te toquei sequer! – Tenta recostar-se na cadeira, dar um ar de desinteresse e certeza, mas esta parece-lhe desconfortável em qualquer ângulo possível. – Vá, sou todo ouvidos!
- Há quantos anos nos conhecemos?
- Muitos.
- Bastantes. Sempre pudemos contar um com o outro.
- Não para ser pai de ninguém!
Sem parecer sequer que ouviu tal interjeição, continua:
- Vivo sozinha há tempo demais. Não tenho ninguém, não conto com a família. Não quero ser mais um trintona acabada e sozinha! Mas QUERO passar por isto, quero ter esta criança, quero dar este passo na minha vida, PRECISO de dar este passo na minha vida: algo de tão belo e único. Só tu me podes amparar. Preciso que me ajudes. És o pai, não o percebes?
- Mas…Isto…isto é tudo muito súbito, apanhas-me de surpresa…Eu não tenho responsabilidade nenhuma nisto…Nem sequer posses para tal, quanto mais… Não! Não, não, esta história não pega! Ah, ah, muito engraçada! Já te divertiste hoje às minhas custas. Quase que acreditei, parabéns. Agora pára com isso, que me dá a volta ao estômago.
- Por favor, pára… - Um choro miudinho que teima em surgir.
- Não pode ser verdade, o que me pedes… Isto só a mim, só a mim… Mas e o VERDADEIRO pai?
- Não interessa, nem quero saber. Só tu podes ser o pai desta criança, és tu que importas. És maravilhoso, sempre foste. E sempre fomos tão próximos um do outro, sempre contámos um com o outro nas nossas piores alturas, quando muita gente se descartou de situações. Se há alguém que tem que ser o pai da minha criança, só podes ser tu.
- Mas isso não é assim tão fácil: chegares aqui e pedires-me para ser pai de um minuto para o outro! Já pensaste sequer no que as pessoas dirão?
- Sempre disseram que acabaríamos juntos.
“1-0.”
- Já pensaste nos gastos?
- A tua vida é bastante folgada, e também a minha, adaptar-nos-emos bem.
“2-0.”
- Já pensaste nos encargos, no tempo, na atenção? Na responsabilidade? Eu nem as minhas camisas passo a ferro! – e levou as mãos à cabeça: o choque que era aperceber-se de si próprio!
- Nada que os dois juntos não consigamos lidar. Não estamos a ficar mais novos, e eu sei que não vais querer levar a vida que levas para sempre: chegares a uma casa semivazia; nem sequer uma planta lá tens para lhe dar vida, por Deus! Não teres aquilo a que possas chamar de lar. Ires a casa no Natal e teres que suportar as opiniões e as piadinhas da família, que, para além de desgastantes, acabam por ser certas. Vais acabar sem nada, e eu sei que não é isso que queres.
“3-0.”
Era impossível contra-argumentar, ela tinha toda a razão. À medida que o tempo passava, sentia-se cada vez mais vazio, e, se não fosse a sua melhor-amiga-que-agora-me-pede-o-mundo, há muito que não teria vida própria. Os dias cada vez lhe custavam mais a passar, faltavam-lhe algo.
- Tu sabes que isto é possível. Tu sempre disseste que querias ser pai um dia. Pois hoje é o dia. Tu sabes que isto é possível.
Silêncio.
- Achas mesmo possível?
- Sei-o. Sinto-o. – Sorri. - Sinto-o mesmo aqui, na minha barriga.
- Incrível…A minha vida…
- A NOSSA vida.
Troca de olhares: comprometida, sincera. Acalma, e decide-se.
- Parece que vou ser pai… – Um sorriso. – Vou ser pai…



Inspirado num sonho macabro que tive há tempos.

14 julho 2007

Passagem Por Um Parque



onde fiz um amigo :)

11 julho 2007

I Am Jack's Broken Expectations




"I felt like putting a bullet between the eyes of every Panda that wouldn't screw to save its species.

I wanted to open the dump valves on oil tankers and smother all the French beaches I'd never see.

I felt like destroying something beautiful."

04 julho 2007

Choices

Choices,
Hands tied with ghosts, one last ride
For the fall
And we,
Consumed flames in a dried ocean
Called life
Gladly,
Throw ourselves to the abysm and thank
The lack of sight
Thank You,
Goodbye

POP LEGGED



Parcerias destas nunca falham :) Obrigado, A.C.!!!

03 julho 2007

Anita Canita ROCKS!!!



Obrigado Anita! Continua, a tua arte prende,seduz; é uma óptima fonte de inspiração!

19 junho 2007

Percussão Nas Ruas

Drums on buckets as his three daughters aged seven, six, and four dance. His wife Sonia is always on hand. Wright has been performing on the streets since he was five years old.



"Sometimes old people come past and cover up their ears because it's pretty loud. But except for that, all the shows are good, all the crowds are good. For me, it's relaxing. It lets me do what I love to do. Keeps me out of trouble."

11 junho 2007

06 junho 2007

Ladytron - Destroy Everything You Touch

Poesia em formato electroclash.

01 junho 2007

#5



Trabalhas no quiosque amarelo.
Começo o meu dia contigo; ultimamente dou comigo a começá-lo por ti.
Acendo-te.

Inalas o fumo do cigarro que acendes todas as manhãs.
Sorves o teu café e pousas a chávena na tua mesa de madeira gasta pelo sol; e recostas-te a ver o dia e a rua a despertarem.
Exalas o fumo o mais lentamente possível, como se o tentasses parar no tempo – como se tentasses parar o próprio tempo. Todas as manhãs.

Vejo-te da minha varanda. Olhas-me, mas não me vês: não vês quem sou, quem poderia ser para ti, o que poderia fazer por nós.
Inalo-te.

Olhas-me de quando a quando da tua varanda, mas não me vês; algo te turva o olhar e te retira deste mundo.
Nunca nos conhecemos ou sequer falámos; nunca vieste cá sequer para comprar um maço de cigarros. Talvez me dissesses bom dia, ouviria a tua voz então; descobriria o teu nome, José, António, Eduardo, tanto faz, isso não é realmente importante, já te conheço: sei quem realmente és. Para ti não existo, mas já me pertences há muito tempo.

Se agora descesse as escadas, voasse pela rua de calçada, e estacasse perante ti: ver-me-ias então? Verias quem sou? Dir-me-ias o que tanto gostava de ouvir?
Existes, sem saberes que és minha.
Intoxicas-me.

Acabas o teu cigarro, decides-te a entrar em casa.

Tenho que ir – a vida não se constrói só de sonhos – mas não parto sem te ver uma última vez hoje. Ver-te através da janela é ver uma ideia de ti.
Apago-te.

Vês uma última vez para a rua a ganhar vida; olhas-me e premunes-me de ti para o resto do dia. Cá estarei amanhã, e depois de amanhã: até ao dia em que me vejas da tua varanda e desças as escadas do teu prédio e voes pela rua de calçada que nos separa e estaques perante mim, à espera que te diga o que tanto te quero dizer.

27 maio 2007

20 maio 2007

17 maio 2007

Amanhã recomeço o part-time...

... e é assim que me sinto quando trabalho:

14 maio 2007

#4

O som começa a fazer sentido. Lentamente, torna-se distinto: é o som de ondas.
O quanto a dor que a água fria lhe provoca teima em despertá-la.
Abre os olhos, e, por algum tempo, a luz é-lhe insuportável, precisa de algum tempo para se habituar à claridade. Por fim, vê-se numa praia.
Levanta-se da água: o frio a infectar-lhe os ossos, a rasgar-lhe os pés.
Passa as mãos pela cara, esfrega-a; despacha-as pelo cabelo.

Tenta concentrar-se. Nada faz sentido. Uma praia? Como?
Pensa, insiste: é difícil concentrar-se, a mente geme.
É então que uma sombra se apodera dos sentidos. A dúvida cresce, transforma-se em medo, o medo pinta-se de pânico. É difícil respirar, e o pouco fôlego que se apressa queima-lhe os pulmões.
Perde o controlo das lágrimas, deixa-se cair na areia.

A maresia impregnada na pele, as ondas que lhe lavam o vestido, o sabor quente do sol, a boca áspera do sal: nada disso existe agora.
Nada importa neste preciso momento, quando não consegue dar resposta ao que lhe foge pela voz:
- Quem sou eu…?

12 maio 2007

#3 - Oito Palavras

- Quero-te.
- Desejo-te.
- Casa comigo.
- Sou teu.
Felizes.
Juntos.

11 maio 2007

#2 - C(s)em Palavras

- Está tudo perfeito. Perfeito DEMAIS.
Sorris. Sentes-te vitoriosa, e conseguiste.
– Por vezes sinto-me impelido a dizer-te o que não posso.
Desafio-te, mas não corro perigo.
- O que não me podes dizer?
Ripostas. Arrisco.
- Posso... mas não devo.
Que faço eu? Tremo: arrisco demais.
– Tenho que manter... – vacilo– ...uma conduta. És minha amiga...
- Mas de que falas tu?
Atacas-me: sabes do que falo. Teimo:
- Prefiro não to contar.
Noto um nervoso miúdo em ti. Coro.
- Mas porquê? Porque começas estas conversas e não as acabas?
Encorajo-me: dir-to-ei agora, quando é tudo tão perfeito.
Inalo uma arfada forte de ar. Olho-te. Não consigo: tenho medo.

Tento escapar, tomo uma postura sábia e indiferente, e magoo-me:
- Por vezes temos que fazer o correcto, e esquecermos os nossos impulsos.
Olho para ti, e os teus olhos, mesmo antes de se fixarem nas tuas mãos, dizem-me tudo.
- Se não és honesto contigo mentes-me. - murmuras.
Perdi.

Respiro.
Não tenho coragem para te dizer: estás certa.
Respiro.
Tens razão.
Quero-te.

Heart-Shapped Glasses (When the Heart Guide the Hand)

Primeiro single do Eat Me Drink Me.

10 maio 2007

De quem é a culpa?!?



Aqui está um e-mail que recebi de um grande amigo meu, quando estava em Itália:


"Caro colega,

No primeiro round de exames fiquei KO, pensava que tinha treinado durante o semestre, mas só concluo que vim para a UA fazer turismo.

A culpa é da sociedade que não me preparou, ou pelo menos não me deu as condições necessárias para que tivesse aproveitamento nos anos precedentes. A culpa é dos professores mal formados e que não souberam ou não quiseram ajudar-me a ultrapassar as dificuldades de aprendizagem. A culpa é dos professores que se preocupam em dar a matéria e em ter emprego no ano seguinte. A culpa é do estado que anda sempre a aumentar os imposto e depois fico sem dinheiro para explicações. A culpa é dos professores, porque se ensinassem já não precisava de explicações, mas não se descarta daí as culpas do estado por cobrar muitos imposto e deixar-me sem dinheiro para as explicações, é certo que preciso de explicações por culpa dos profesores, mas a culpa é do estado, porque é ele que os põe lá. A culpa é do Sr. Lemos (o nosso senhorio) que cobra muito dinheiro por um quarto pequeno, sem condições para o estudo, sem circulação de ar, o excesso de dióxido carbono provoca sonolência e impede o raciocino lógico, podendo em caso extremo levar a um estado de alucinações. Já não consigo levantar-me da cama antes das 10h, por culpa do excesso de dióxido carbono acumulado durante a noite.
Qualquer dia começo a libertar monóxido de carbono e como costumas dizer ... “vou de c*#a”

A culpa de tudo até pode ser minha e como futuro engenheiro que espero ser, tenho de provar, tenho de por as hipóteses e provar as teses, mas não consigo fazer isso porque a sociedade não me ajuda a encontrar um quarto condigno a bom preço, os professores não ajudam, porque continuam a ensinar mal, o estado não ajuda porque cobra elevadas propinas e como tal estou condenado...

Ontem vi que não respeitava uma das regras para poder frequentar cálculo 3 no segundo semestre e não me deixavam fazer a inscrição, estava a ver que era preciso lamber as botas da eminência do exmo do professor do doutor possuidor de uma superioridade moral e intelectual que é o nosso vice-reitor.

Os horários já estão na net, tentei telefonar-te mas puff .... deves ter deixado o roaming aki com os tugas."


Pura arte...

#1

Que horas são, perguntou-se. Músculos adormecidos, o pescoço dorido, despertando aos poucos.
Mais um dia. Levantou-se, inconformado pelo dia começar onde os sonhos não acabam.
Espreguiçou-se. Vestiu-se. Lavou a cara; olhou-se culpado ao espelho. Estou a envelhecer, anuiu.


O almoço parecia bom. Aliciado, não comeu, devorou. Três minutos passados e arrependia-se da velocidade com que almoçou; o que esperava que lhe alimentasse a alma só lhe esvaziou o contentamento. Para a próxima almoço mais devagar, foi uma pena.

Computador. O seu eterno companheiro.
Um mundo de hipóteses, uma única situação real.
Não vou pensar nisso agora... Ah, apareceste finalmente, amiga, e de amiga tens tão pouco que nunca te vi, nunca conversámos nem nos rimos juntos; és um texto que me surge no ecrã quando espero que não o sejas.
Um possível encontro, e alegria por ter algo que fazer, por se sentir útil e necessário.
As horas que passam, o encontro que não se confirma.
Preciso ocupar o tempo de algum modo.

Como as teclas parecem suficientes. Agora que as usa parecem tantas e tão complexas. A música começa, num arranque mecânico. É preciso dar-lhe alma. A vontade de criar atropela-se. Muito melódica. Muito melancólica. Assim muito presunçosa.
Tanta hipótese, a dificuldade de escolha. Em breve, em breve...

Compras.
Tudo tão necessário, e tudo tão trivial. As coisas que as pessoas procuram e que não precisam. Que pensarão elas neste preciso momento? Como decidem o que lhes faz falta, o que as define? Sempre ocupadas, sempre em correrias. “O jantar que tenho que ir fazer, os miúdos que esperam por mim. Que perfume vou comprar, e será que passará a olhar para mim?” Será que estas pessoas param para respirar; será sequer que se lembram que respiram?

O jantar parecia bom. Contente, não comeu, devorou. Três minutos passados lembrou-se que iria arrepender-se. A alma descontente. Não consigo parar de me fazer isto...

Uma noite de café igual a tantas outras, como se de uma só noite infinda se tratasse. O frio do ambiente, as caras que não mudam, as expressões que tardam. Olá como estás, o quanto eu não me interesso.
A vontade de fazer algo, e a falta de ideias. Embaraçado por si próprio, não tarda em decidir-se a voltar a casa.
A viagem de carro é muito mais aliciante: uma estrada em frente, não se olhar para o que se deixa para trás, só um ser e o desejo de aventura.
Todos os caminhos vão ter à realidade; chega a casa.

Computador.
Conversas metódicas. O que tens feito? E então? Ilude-me, por favor, preciso de mais que isto.

Que horas são, perguntou-se. Músculos adormecidos, o pescoço dorido, adormecendo aos poucos.
Mais um dia. Deitou-se, inconformado pelo dia acabar onde os sonhos não começam.
Espreguiçou-se. Virou-se. Fechou os olhos; olhou-se, culpado. Estou a envelhecer, anuiu.